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A hiperactividade e a escola...

23.10.12, Abigai

Na quarta-feira passada, levamos o G. à consulta de pediatria de desenvolvimento no Hospital S. João.

Confesso que, apesar da espera e da confusão de um hospital geral, saio sempre destas consultas com um sorriso nos lábios, muito mais confiante e segura das minhas decisões, e convicta de caminhar no bom sentido rumo a uma boa e acertada educação.

O G. encolhe-se todo a ouvir os sermões da pediatra, sempre pronto a responder como aliás faz em casa, mas capaz de segurar a língua!

A médica transmite confiança, segurança e muita sabedoria. Sem nunca melindrar aconselha e apoia. Nós sentimo-lo. O G. sente-o. E isso faz um bem à alma tremendo!

Entregou-nos um relatório para entregar na escola - mais um! -, e alertou-nos para esta nova fase que agora começa: a pré-adolescência. Sabemos que é uma fase difícil, e que o pior irá chegar dentro de uns 2 ou 3 anos (o G. ainda é muito imaturo para a idade cronológica, daí o espaço que ainda temos para nos prepararmos...). Já não tem sido muito fácil, mas por enquanto ainda o seguramos!

E como todos os anos por esta altura, aproveitamos para preencher o requerimento do complemento de abono por deficiência. Pois é! Deficiência!

O G. não é deficiente, apenas tem PHDA. Conheço crianças deficientes, uma em particular, irmão do meu afilhado, deficiente profundo. A mãe recebe o mesmo complemento que recebo pelo G. O mesmo!

Haverá comparação possível?

Não vou recusar os míseros € 59,00 que recebo, é pouco mas dá muito jeito! Não chega para a medicação e as consultas de psicologia, é verdade, mas ajuda. O que não compreendo é porque o valor é fixo, igual para todos, variando apenas consoante a idade. Isso, não consigo compreender. Não vou questionar o que eu recebo, é pouco mas estamos a falar de PHDA e não paralisia cerebral. O que está errado a meu ver, não será o que recebo mas o que outros, com deficiências diferentes, mais profundas, recebem. Não devia este complemento ser pago em função da deficiência, em função das necessidade pedagógica ou terapêuticas? Ou serei eu que estou a delirar?

Além disso, pergunto: se a segurança social considera a PHDA como deficiência permanente, porque o ministério da educação não a vê como tal? Porque será necessário lutar em todos os inícios de anos lectivos para ter apoios? Será que os ministérios não se entendem entre eles? Ou terão sequer algum tipo de comunicação entre eles? A pediatra de desenvolvimento entregou-me um relatório (saliente que não pedi nada!) extremamente completo desta vez, que enquadra o G. no âmbito da Lei 3/2008 e ainda sugere apoio na leitura dos enunciados, etc...

Confesso que me questiono ainda se devo entregar este relatório... Já sei que me vou meter mais uma vez em trabalhos...

Chegar à escola com um relatório do Hospital, supostamente de médicos habilitados e que sabem avaliar a hiperactividade, as necessidades de uma crianças hiperactivas, as suas limitações, incapacidades, dificuldades, mas também as suas capacidades de aprendizagem e/ou cognitivas, os seus pontos fortes, etc..., relatório esse que fala precisamente de incapacidades cognitivas que necessitam de uma abordagem diferenciada, entregá-lo à escola é como um murro no estômago... geralmente professores e/ou psicólogos educacionais levam isso como se de uma exigência se tratasse, como se apontássemos o dedo para eles e lhes disséssemos que não estão a fazer o trabalho que era suposto fazerem. Sentem-se ultrapassados e questionados quando na realidade, este relatório, passado por quem tem acompanhado a evolução, as conquistas e as batalhas perdidas, não é mais do que um alerta para uma problemática que pode ser ultrapassada, desde que todos se juntem e trabalhem no mesmo sentido.

Talvez tenha alguma sorte este ano, os professores parecem-me para já, muito mais abertos e empenhados. Sei que a psicólogo educacional da escola já está ao serviço, mas por enquanto ainda não viu o G. Por enquanto vou aguardar. Sei que tem muitas crianças para acompanhar e que não faz milagres, a escola tem crianças que precisam de mais apoio do que o G., não ponho isso em causa, mas o G. também precisa...

 

 

Coincidência ou ligação?

15.10.12, Abigai

Como prometido, lentamente mas seguramente, retomo este espaço que, como já várias vezes referi, revelou ser um elemento importante da minha vida, permitiu-me abrir horizontes e descobrir caminhos que achava perdidos, encontrar pessoas que vivem as mesmas experiência, trocar impressões e perceber que nem tudo se resume a uma boa educação quando se trata de lidar com PHDA.

Nesta vivência conheci pessoas fantásticas, mães dedicadas e preocupadas, filhos que poderiam ser cópias do meu G., de meios, localidade e idades diferentes mas que convivem diariamente com as mesmas dúvidas, as mesmas dificuldades, as mesmas frustrações e travam as mesmas batalhas.

 

Na passada sexta-feira, depois de escrever o primeiro post após uma ausências de quase sete meses, recebi um e-mail da Patrícia, que, não tendo notícias nossas desde que deixara este espaço, escreveu-me para saber de nós, do G., dos resultados do ano transacto e do arranque deste novo ano lectivo.

Achei uma coincidência incrível. Escrevi o post pela manhã mas programei a sua publicação para as 13H15. A Patrícia enviou-me o e-mail às 12h58, ainda não podia ter visto as notícias que publiquei!

Ao meu comentário  "Curiosamente, hoje mesmo decidir voltar a escrever...", a Patrícia respondeu-me:  "Não há coincidências... o que só prova que há algo que nos liga uns aos outros..."

 

Coincidência ou ligação?

É de facto incrível e fantástico o que podemos encontrar aqui!

Não conheço pessoalmente a Patrícia, mas haverá amizades mais genuínas do que estas que fazemos aqui, virtualmente, com ligações tão fortes que unem pessoas com as mesmas vivências, as mesmas experiências?

Aqui não precisamos de floriar as nossas vidas, torná-las perfeitas, somos verdadeiros, relatamos as nossas dificuldades, as batalhas que travamos contra a adversidade, falamos dos nossos fracassos como educadores, sem medos, sem recear as críticas, os julgamentos a que estamos todos os dias sujeitos, nas escola, no supermercado, na rua, por pessoas ignorantes que desconhecem a PHDA, que depressa apontam o dedo...

 

Coincidência ou ligação?

Os dados estão lançados...

 

 

Um tímido regresso....

12.10.12, Abigai

Há quase sete meses que deixei de parte este blog que, ao longo dos últimos três anos muito me ajudou e abriu novos horizontes.

Nestes últimos sete meses pouco ou nada mudou.

O tempo não curou um estado de alma depressivo, apenas atenuou os queixumes.

Lentamente vou tentar regressar, timidamente, sem grandes ambissões. Sinto falta da escrita lida, dos comentários de apoio.

Muito se passou desde o último post sério, sem lamentações.

 

Curiosamente e contra todas as minhas expectativas, o G. passou para o 7º ano. Apesar dos maus resultados nos exames nacionais, transitou apenas com negativa a matemática. Após alguma luta para fazer valer os seu direitos na escola e conseguir algum apoio individualizado além do apoio educativo, o G. teve uma avaliação diferenciada a Português, com testes adaptados à suas dificuldades, o que permitiu ir tirando algumas notas positivas. Feitas as contas e considerando os 25% que os exames nacionais pesavam na avaliação final, conseguiu transitar.

Inicialmente, fiquei com dúvidas: transitar era concerteza positivo para a sua auto-estima, contudo, repetir o ano poderia ser também uma mais-valia para reforçar conhecimentos.

Hoje, e embora ainda só tenha iniciado este novo ano escolar há um mês, sinto que foi uma aposta acertada.

Em primeiro lugar, o G. sente-se mais confiante e optimista por agora ser um dos "grandes" da escola. Está no 7º ano e feliz.

Em segundo lugar, tem finalmente um horário acertado, de acordo com as suas características, um horário da manhã, no qual todas as disciplinas importante decorrem nas primeiras horas do dia, quando está mais desperto, mais atento, em pleno efeito da medicação.

Como em todas as transições de ciclo, a minha maior preocupação foi informar a directora de turma das suas dificuldades, da sua PHDA. Como já suspeitava, apesar de estar tudo no seu processo individual, a informação ainda não tinha chegado no início do ano lectivo.

Mas algo que sinceramente não esperava aconteceu. Logo na primeira aula de apresentação de Português, a professora, que não é directora de turma, fornecer aos alunos o seu endereço de e-mail, solicitando aos pais que enviasse um de forma a ficar com os contactos dos pais.

Fiquei agradavelmente surpresa, pois tanta disponibilidade por parte dos professores não é coisa comum. Aproveitei para informar a professora que o G. tem PHDA e dificuldades específicas além das características disléxicas. Por sua vez, a professora informou a directora de turma, professora de matemática, que, logo na primeira reunião com os encarregados de educação, quis falar comigo em privado. Foi tudo tão interessado, tão preocupado, que fiquei deveras surpreendida. Não foi preciso reuniões nem queixas, senti um interesse por parte dos professores a que pouco habituada estava; na 2º semana, o G. já estava com aulas de apoio e o contacto via e-mail com a directora de turma tem sido muito frequente.

O reforço positivo está presente desde o início, o G. sente-se compreendido, e demonstra um interesse muito maior pelo estudo.

Tudo leva a crer que este ano irá ser menos stressante do que os anteriores, menos angustiante, mais aberto e mais suave, apesar da matéria ser mais difícil.

A ver vamos.

 

Para além da evolução do G. nestes últimos sete meses, o meu estado de espírito pouco mudou. O olhar da minha mãe nos dois dias que passamos nas urgências antes duma cirurgia que acabou por ser apenas o adiamento de um triste desfecho, ficou gravado na minha retina, um olhar de agonia, um pedido de paz. Uma súplica que eu não deferi, uma cirurgia que eu teimei em autorizar, no momento, talvez por covardia, talvez agarrada à esperança, e que agora me consome diariamente. Horas de espera, à porta do bloco operatório, no dia em que fazia 18 anos que o meu pai tinha falecido, talvez pela repetição da data, pela recusa em perder um pilar importantíssimo da minha vida... Horas de espera que continuam a remoer.

A perda é extremamente difícil de superar, é verdade, se ao menos conseguisse apagar as últimas imagem e recordar apenas a vida...

Mas algo de positivo saiu desta experiência traumática, se é que é possível falar de algo positivo numa perda desta natureza.

Há 50 anos atrás, o meus pais já se preocupavam com o envelhecimento da população de que tanto se fala hoje em dia e resolveram contribuir com 7 filhos, que por sua vez contribuíram com mais 12. Sete filhos divididos por 2 paises e 7 cidades diferentes e afastadas umas das outras. Sete filhos que há anos não se juntavam em torno de uma mesma mesa, juntos.

Da perda resultou uma resolução: pelo menos uma vez por ano comprometemo-nos em juntarmo-nos todos um fim-de-semana. Comprometemo-nos em adiar os nossos afazeres, arranjar forma e tempo para viajar, por Portugal ou França alternadamente, pôr de parte todas as desculpas que facilmente damos a nós próprios para justificar meses a fio sem notícias uns dos outros, e juntarmo-nos, em torno de uma mesa, em honra, memória e agradecimento pela vida que temos, pela educação e oportunidades que nos foram dadas pelas duas pessoas que nos trouxeram ao mundo e que tanto se sacrificaram por nós, sem nenhum queixume, sem nenhuma desculpa.

O primeiro encontro aconteceu no passado mês de Agosto, um encontro em que só faltaram 4 sobrinhos e 1 cunhada, por impedimentos diversos, mas conseguiu juntar 21 pessoas em torno de uma mesa gigantesca, com muita alegria e choro pelo meio, com muitas garrafas e boa comida. Um fim-de-semana memorável que finalmente permitiu tirar uma fotografia com 7 irmãos que há anos não estavam juntos ao mesmo tempo. Muita emoção e memórias, e a promessa de repetir no próximo ano!