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Quando somos tocados pela História...

11.11.09, Abigai

Há pouco ao escrever este post no Clube de Leitura recordei uma experiência vivida há mais de 20 anos, aquando da comemoração do 40º aniversário do fim da 2ª Guerra.

 

Era ainda adolescente e participei num concurso de desenho organizado pela "Federation Nacionale des Deportés et Internés Resistants et Patriotes" (associação de ex-deportados), cujo tema era precisamente a deportação e libertação dos campos de concentração.

 

Embora não tenha ficado com qualquer cópia do desenho apresentado a concurso, ficará para sempre na minha memória, não apenas por ter sido o 1º premiado, ou pelo que representava, mas pelas críticas que mais tarde ouvi de um antigo deportado.

Numa descrição sumária posso dizer que o desenho apresentava 3 crianças num campo de concentração, sob um céu escuro, uma bandeira nazi em chamas e uma pomba branca, simbolo de páz, rodeada de um céu claro e luminoso.

 

Por ter ficado em primeiro lugar, viajei até Strasbourg com alguns membros da associação até ao campo de concentração do Struthof na Alsace.

Ouvir relatar na primeira pessoa os horrores da guerra e dos campos de concentração é algo que nunca irei esquecer. Ainda hoje, e apesar do tempo entretanto decorrido, sinto um aperto no coração quando recordo os números tatuados no braço, mas acima de tudo, a crueldade e atrocidades de que foram alvo.

 

O campo do Struthof era um campo de trabalho a favor da indústria de guerra nazi.

Lá o uso da câmara de gás não era sistemático.

A câmara de gás foi criada em 1943 pelo comandante do campo, Josef Kramer, a pedido dos professores de medicina nazis da Universidade do Reich em Strasbourg afim de proceder a experiências médicas. A câmara de gás foi instalada numa pequena sala de 9m2 no interior da sala de festas da pensão do Struthof, já antes confiscada pela tropas SS.

De 14 a 21 de Agosto de 1943, 86 deportados judeus vindos do campo de Auschwitz foram lá gaseados, seus corpos destinavam-se a integrar uma colecção de esqueletos para o professor August Hirt, director do Instituto de Anatomia da Universidade do Reich em Strasbourg.

A câmara de gás seria também utilizada para estudar novos gases. Os deportados, principalmente ciganos, serviam de cobaias.

 

Ver os fornos crematórios também me impressionou muito, até porque, naquela idade e apesar de conhecer esta parte da história, tinha uma visão simplista e tocar com esta realidade, ver com os meus próprios olhos, foi como sentir estes acontecimentos, foi torná-los reais.

Dos relatos destes homens ficou a dor, o frio, a fome e a sede, a falta de repouso e a miséria. Mas ficou também o querer: querer aguentar, querer resistir obstinamente contra tudo e contra todos, querer manter a fé e a moral, querer manter os ossos e a pele que ainda os revestia.

 

Tive a oportunidade de contactar com Sobreviventes, sobreviventes do holocausto que alguns ainda negam como aqui nesta notícia, um genocídio, um facto histórico que pouco ensinou à Humanidade e que não acabou com o racismo ou a discriminação.

 

Representei no meu desenho as crianças em vestimentas usadas nos campos de concentração, com todo o rigor e realismo de que fui capaz.

No decorrer da viagem, fui ainda prendada com o livro  "La Deportation" de Maurice Voutey, um livro constituído essencialmente por fotografias de campos e deportados e de todas as atrocidades lá vividas.

Ao folhear o livro percebi as críticas de que o meu desenho foi alvo: faltou a magreza extrema!

Guardo este livro com muito apego e afecto, espero um dia poder transmitir ao meu filho o que senti com esta experiência única.

 

E se tivessem que escolher uma palavra....

06.11.09, Abigai

Se eu tivesse que escolher uma palavra, esta seria a Saudade...

 

saudade (a-u)*

s. f.
1. Lembrança grata de pessoa ausente ou de alguma coisa de que nos vemos privados.
2. Pesar, mágoa que essa privação nos causa.

 

 

Porquê?

Filha de pais portugueses, nasci e vivi metade da minha vida no estrangeiro. Desde muito pequena que a conversa era sempre a mesma: a minha pátria era Portugal, eu era portuguesa e em casa era proibido falar outra língua.

Em paralelo com os meus estudos e escolaridade obrigatória, estudava Português numa associação e passei todos os exames ad-hoc de história, língua e cultura portuguesa.

Quando os meus pais se reformaram e decidiram regressar a Portugal, deram-me a possibilidade de escolher ir ou não com eles. Não tive qualquer dúvida. De armas e bagagens mudei-me para o pais que era o meu, sem olhar para trás, à procura do lugar que todos os anos, em final de Agosto, me deixava Saudades, deixando os meus irmãos, cunhados e sobrinhos com alguma mágoa mas sem qualquer hesitação.

Mas que Saudades eram essas que sentia?

Saudades de um lugar que mal conhecia, um lugar onde passava férias e onde não havia preocupações nem obrigações?

Na realidade, Portugal era-me totalmente desconhecido.

Visitar lugares, passar o dia na praia, ter sol em abundância... será isso conhecer e amar uma pátria?

Não era. Seria uma ilusão? Provavelmente. Um ideal, uma fantasia, nunca uma escolha com conhecimento de causa.

Encontrei um país desconhecido, uma realidade diferente da esperada, sem raízes, sem memórias e sem amigos. A adaptação foi difícil. Percebi então que nem a língua dominava e voltar a estudar foi penoso. Mas o tempo foi passando e aprendi a conhecer e amar a vida em Portugal.

Os meus pais sentiram o mesmo, regressar ao país que tinham deixado há mais de 30 anos foi para eles também um choque, já não era o mesmo Portugal com a agravante de não ter assistido às mudanças e evolução.

Saudades do meu país de origem? Claro que tinha. Regressar? Nunca!

Portugal é mesmo a minha pátria, mas foi com o tempo que percebi isso, e por mais dificuldades que o país atravesse, não admito sequer que digam mal de Portugal. É verdade que nem tudo são rosas, que é preciso um Portugal melhor, mas não é também verdade que noutros países pensam o mesmo?

Saudades da família? Claro que sim.

Mas acima de tudo, saudades das Saudades que sentí ao longo de 18 anos. Saudades do pais idílico que criei na minha mente. As Saudades que tinha antes da mudança eram bem mais sentidas, eram saudades duma realidade inexistente, dum país ideal, duma pátria que reunia a divisão que sente qualquer emigrante.

As Saudades são mais o que idealizamos ter do que o que sentimos ter perdido.

Saudades de ter um objectivo, saudades de um sonho...

Sei que não voltarei a sentir as mesmas Saudades, o que sinto é falta da família, não de um pais idílico e perfeito.

Conheço o país que deixei, não conhecia o país que encontrei.

 

 

* definição do Dicionário Priberam da Língua Portuguesa

 

(In) Sucesso escolar?

03.11.09, Abigai

A avaliar pelos resultados dos últimos testes, devo dizer que a situação do meu filho é preocupante.

As notas obtidas são de facto muito baixas, mas o esforço demonstrado foi impressionante.

Apesar das muitas dificuldades, é uma criança empenhada, interessada e esforçada.

Sabendo que a falta de resultados pode levar à desistência e ao abandono, tenho por hábito reforçar, valorizar e recompensar o seu empenho e fazer-lhe entender que as notas não são o mais importante.

Importante é nunca desistir, continuar a tentar, porque um dia conseguirá ser recompensado.

Mais do que contra o insucesso escolar, travo uma luta desmedida contra a baixa auto-estima.

Por mais que nos custe, a nós pais, a realidade é que não podemos ser todos doutores ou engenheiros e que todas as profissões são importantes, mas podemos e devemos ser todos felizes.

 

Depois existe o outro lado, o do sucesso.

O G. tem colegas com excelentes avaliações e que, ao contrário do que seria esperado, não marginalizam-no de forma alguma. Não atribuem qualquer importância ao facto de ter notas baixas, ignorando totalmente este facto e tratam-no muito bem.

No entanto, competem uns com os outros de uma forma a meu ver doentia.

Chegam ao ponto de "gozar" um colega simplesmente porque "apenas" tirou 90% no teste!

Será que estas crianças irão um dia saber lidar com o insucesso?

Serão adultos felizes?

Penso que devemos sempre valorizar o que um filho obtém ou consegue, que devemos levá-lo a querer sempre melhorar, mas será que quando atinge um ponto em que competir é levado ao extremo, em que o colega que habitualmente apresenta as melhores notas se torna no alvo a abater, devemos valorizar essas notas, ou será que devemos pôr travão nessa loucura?

Será que não temos o dever de ensinar aos nossos filho a compaixão, a camaradagem?

Mas o que haverá a fazer quando são as próprias mães, que numa entrega de avaliações, reclamam e se apoderam da palavra porque os filhos têm notas acima dos 90% quando poderiam ter mais e que não têm tacto suficiente nem contenção, na presença de outras mães que se contentariam com uns 50% dificilmente atingidos?