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No mundo das crianças a preguiça não existe

27.12.10, Abigai

 

Há dias acabei de ler este livro Sinto Muito de Nuno Lobo Antunes.

Não vou falar do livro, confesso que me decepcionou um pouco, não que não o considere bom ou que não tenha gostado, mas tinha uma ideia diferente em relação a ele.

Contudo, encontrei pelo meio uma crónica que me chamou muito atenção intitulada No mundo das crianças a preguiça não existe.

Aplica-se a todas as crianças e não apenas às crianças hiperactivas. Tocou-me muito porque descreve muito o que sinto em relação ao G. e às dificuldades que ele enfrenta diariamente.

Por isso, transcrevo aqui esta crónica que na minha modesta opinião, deveria ser lida por todos os professores, educadores e também pais.

 

A Inês tem sete anos e é encantadora. No quadro branco pintou uma paisagem ingénua, por onde passeia a sua infância. Num traço hesitante surgiram montes e casas e, por cima, um sol que, por se sentir sozinho, pediu a umas nuvens que lhe fizessem companhia. Quando acabou, a artista interrogou-me sem palavras, pedindo aprovação para um desenho colorido com o brilho do olhar, a vivacidade da expressão e a facilidade do sorriso. Como se pode julgar o que é maior do que nós?

Não foi fácil entender o motivo da consulta. Dentro da sala de aula - explicava a mãe - a Inês sofre uma metamorfose ao revés. A borboleta esfusiante transforma-se num bichinho amedrontado, que se esconde atrás dos colegas, na esperança de não ser notado. Tudo o que tem a ver com a escola, mesmo o mais simples exercício, a leitura ou escrita de um monossílabo, assemelha-se a um difícil número de trapézio, donde antevê, como eminente, uma queda aparatosa, ponto de exclamação numa arena sem rede. No entanto, mal toca a campainha para o «recreio», está de volta a alegria de viver que enche de cor, o nada de um quadro branco. Pouco a pouco, a Inês deixou de acreditar que era capaz e, na certeza da sua incompetência, sentiu-se culpada e má, menina que não presta, para quem as letras e os números têm segredos indecifráveis, enigmas que os colegas resolvem na ligeireza de um «abre-te Sésamo», tesouros que lhe estão vedados. Porém, estou certo que lê, como ninguém, a inquietação, (e angústia), que o olhar da mãe não consegue disfarçar.

Todos os meses percorro as escolas do país, levando um Evangelho de ideias simples, princípios em que acredito. As crianças nascem para ser felizes. O seu cérebro tem um potencial fantástico de curiosidade, espanto, encantamento pela descoberta. Até à entrada na escola, isto é evidente para todos os pais, que inevitavelmente se apaixonam por aquele brilhozinho nos olhos, o riso sem disfarce, a alegria sem nuvens. O dito inesperado, a observação certeira, a coerência com o universo. Porém, à entrada na escola, para muitos, tudo se transforma. De repente, o mundo mudou. O afecto ou o sorriso dos adultos parece depender da facilidade com que se resolvem novos quebra-cabeças, que envolvem gatafunhos a que os «crescidos» chamam letras e números. Se, para alguns, a navegação dessas águas é fácil e fonte de encorajamento e satisfação, para outros, é um cabo das Tormentas, sem Boa Esperança à vista. As crianças entristecem, prisioneiras de um aquário onde muitos olhos observam os seus resultados, realizações, derrotas. A autoconfiança esvai-se lentamente, a ida para a escola torna-se uma punição. As outras crianças, muitas vezes imitando os adultos, fazem troça de uma resposta errada, de uma leitura hesitante, de um ditado com erros, que é exibido, como edital, perante a turma. És preguiçoso - dizem uns - és um distraído - dizem outros. A insinuação da inferioridade vai-se tornando progressivamente mais clara, até atingir, por vezes, a afirmação pura e simples de que se é «burro». Em casa, tentando ajudar, a mãe senta-se com o seu filho, durante horas intermináveis, na realização dos trabalhos de casa. Tempo de frustração intensa, que muitas vezes acaba com lágrimas de uns e de outros. O mundo, para a criança, tornou-se hostil. Para os pais a perplexidade: como explicar que aquela criança tão «viva» e «esperta», se mostre incompetente quando posta à prova no mundo das letras e dos números. Como explicar que o que parece ter aprendido hoje, seja de pronto esquecido amanhã? Porquê hoje responder bem às questões colocadas em casa, mas chegado o dia do teste, tudo pareça ter-se dissolvido num mar de ignorância. Como explicar o contraste entre a dificuldade de concentração nas aulas e as horas esquecidas em frente a um jogo de computador, numa vigilância de sentinela? E o «click» de que os amigos falam e não chega? E a imaturidade que a psicóloga diagnosticou e não mais se resolve? A explicação surge em regra responsabilizando a criança: é distraída, preguiçosa, desinteressada. O discurso não deixa dúvidas, a culpa é da criança: «Porque não pões os olhos na tua irmã? Porque não és como o teu colega Luís? Sabes os sacrifícios que os pais fazem para te educar... porque não lhes dás essa alegria?» E a criança esforça-se mais uma vez, e mais uma vez falha, até à conclusão inevitável: não presta! E se não presta e não é capaz, porquê tentar? Algumas descobrem a saída que os poderá tornar populares: ser o «palhaço» da aula, o mais aventureiro, o que desafia a autoridade. Na infância e na adolescência...

O meu credo é simples:

- Não existem crianças preguiçosas, mas sim crianças cansadas do insucesso.

- O insucesso cria um círculo vicioso que gera mais insucesso, descrença, frustração.

- Os bons resultados, pelo contrário, aumentam a motivação, a confiança, o êxito.

- As crianças não acordam de manhã com intenção de falhar, errar, criar angústia em pais e professores. Se isso acontece, é porque a vida escolar nada lhes trouxe que as faça felizes ou confiantes.

A minha ideia mais simples, e porventura a mais importante, é que no mundo das crianças a preguiça não existe.

 

Revejo nestas palavras o percurso do meu G. Tem encontrado professores interessados mas infelizmente nem todos o são e com alguma frequência, são necessárias reuniões com a directora de turma para minimizar os problemas.

As dificuldades de comunicação com a professora de Inglês geraram muitos problemas para o G. que até febre fazia nos dias em que tinha essa aula. Não sei se por ter havido muitas queixas relativamente à disciplina, se por coincidência, mas o primeiro teste foi extremamente fácil e praticamente uma cópia do manual escolar, o que permitiu ao G. ter um "Bom". Levantou-lhe a auto-estima e pôs por enquanto um ponto final às noites mal dormidas, às febres e aos pesadelos, mas será que não vai voltar ao mesmo quando a poeira assentar?

 

 

Estou de volta!

06.12.10, Abigai

Já lá vai algum tempo que não passo por aqui…

Muitos afazeres e pouco tempo!

Até é bom sinal. Há bem pouco tempo, estava sentada frente a um computador, numa empresa falida e sem trabalho… Hoje, felizmente sem necessidade de muita procura, estou numa empresa, invariavelmente também com algumas dificuldades financeiras, mas com trabalho para dar e vender e já não tenho mãos a medir, nem tempo para visitar os blogs aos quais já me tinha acostumado e muito menos para escrever…

 

Bem, passada esta pequena introdução, tenho que confessar que muito se tem passado com o G., de bom e também menos bom, mas acima de tudo, tem mostrado mais maturidade e muita responsabilidade relativamente aos estudos. Tem surpreendido quer os pais quer os professores e educadores pela positiva. De facto, confesso que não esperava que este primeiro período corresse tão bem. Tem tido algumas negativas “altas” e positivas “baixas” mas também alguns “bons”, o que é fantástico sobretudo para elevar a sua auto-estima.

 

Os problemas com a toma da medicação voltaram, mas com alguma paciência, alguns gritos de fúria da mãe, algumas ameaças e alguns castigos, começam finalmente a diminuir.

 

Os fins-de-semana têm sido esgotantes e ponderamos seriamente medicá-lo também nestes dias. Sinto-me muito renitente em fazê-lo, tenho por princípio que o G. não tem culpa de ser hiperactivo e assim sendo, tem todo o direito de ser ele próprio, quer nos agrade ou não. Em dias de aulas, concordo que é para ele fundamental estar medicado, uma vez que possibilita concentração e atenção para acompanhar as aulas e absorver alguma informação. Quando precisa de estudar em casa para testes ou TPC’s, também aceito medicá-lo, sem isso seria incapaz de estar sentado a fazer fichas ou a ler…

E quando não tem trabalhos de casa? O que fazer?

Ele não pára um segundo, não se cala um segundo, é impulsivo, irrequieto, respondão, sempre a cantar, aos gritos ou a argumentar, é simplesmente esgotante!

Não faz asneiras, não pula em cima do sofá, nem trepa aos móveis… De facto não! Mas a verdade é que aos fins-de-semana, além de tentarmos pôr ordem em casa, gostaríamos também de descansar um pouco e, na verdade, é mesmo impossível!

O pai do G. é de opinião que devíamos medicá-lo também ao fim-de-semana. Eu não digo que não, mas arranjo sempre desculpas para não o fazer, ou porque já passam das 8 horas da manhã e depois não vai ter apetite para almoçar, ou porque não precisa de estudar, ou porque tenho a certeza que se vai portar bem, ou porque acho que devemos deixá-lo ser quem é… ou outra coisa qualquer…. A verdade é que aos Domingos à noite, já estamos esgotados, aos gritos e sem paciência e acabamos, mesmo sem o querer, a ralhar com o G., sabendo nós que a culpa não é dele, mas simplesmente já não somos capazes de manter a compostura e ser justos!

 

No sábado passado, decidimos ir fazer compras. Deve ser realmente o melhor a fazer com um filho hiperactivo, muita gente, muito barulho, muitas distracções, muitos artigos nas prateleiras, muitas tentações, etc.… de facto o melhor entretenimento para uma criança hiperactiva. Quando já fumegávamos e apesar de não ter comprado tudo o que nos tínhamos proposto comprar, e tendo em conta a hora tardia, resolvemos jantar por lá, como faria qualquer família “normal”, mas totalmente contraproducente em famílias como a nossa.

Posso contudo dizer que até nem correu muito mal, pelo menos ninguém reparou muito. Como o G. não aprecia nada comida de plástico, fixou-se nos pratos de massas e instalamo-nos no interior do restaurante, quase vazio e longe da praça de alimentação que estava a pinha. Invariavelmente, e apesar de adorar massa e ter um apetite de ogre, a excitação combinada com todos os estímulos inerentes a um shopping em período de Natal, fez com que a massa ficasse no prato…

 

Nem tudo são rosas… certo?